domingo, 17 de março de 2013

50 anos do Concílio Vaticano II e o contexto histórico da sucessão de Bento 16

Gilberto de Mello Kujawski 



A história da Igreja Católica se divide em antes e depois do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII em 1961.

É chamado de Concílio Ecumênico porque uma de suas tônicas foi a aproximação estreita com os credos não católicos, como o judaísmo, o islamismo, o protestantismo, os cultos africanos e pré-colombianos, etc.
O ecumenismo está desde sempre ligado ao universalismo da religião católica. Aquele gesto dos papas de abrir os braços para dar a benção urbi et orbe, à cidade de Roma e ao universo, é algo próprio e exclusivo do catolicismo. Nenhuma das religiões monoteístas (judaísmo, islamismo) está imbuída do universalismo  católico, herdado diretamente de sua tradição romana. Basta assistir a algum culto judeu ou muçulmano para perceber como são auto- referidos aos limites de uma etnia ou de um grupo, sem nenhum referência para fora, dirigida aos horizontes do mundo, como exprime a ampla abertura dos braços do papa na bênção urbi et orbi.

Antes do Vaticano II, durante séculos, a Igreja católica nem sempre honrou seu compromisso universalista e ecumênico. Permaneceu muito tempo fechada em sua fé, desvalorizando, deslegitimando e até perseguindo outras confissões. A Inquisição acabou faz tempo, mas o espírito inquisitorial manteve-se vivo e dominante até antes da ruptura desencadeada por João XXIII. Infelizmente, este papa faleceu antes de encerrado o Concílio, sem que suas propostas ganhassem força para se impor. Numa de suas últimas aparições em público, Bento XVI relembra o imperativo de dar continuidade às resoluções do Vaticano II, na mesma linha da pregação de João Paulo II.

Agora, por ocasião da eleição do sucessor do Papa emérito, quando se evoca a urgência de reatar com o espírito daquele Concílio histórico, é preciso lembrar que sua mensagem não se esgota na reafirmação do ecumenismo. Na verdade, o abraço ecumênico é decorrência de outra inovação mais importante e fecunda proposta pelo Concílio Vaticano II. Esta inovação desfechada por João XXIII resume-se em duas palavras: liberdade religiosa. Esta é a fonte de todas as demais inovações a serem incorporadas pela Igreja dos novos tempos.
Liberdade religiosa significa, em primeiro lugar, que a religião não pode ser imposta à força, por coação externa, a ferro e a fogo. A falta de coação externa deve ser acompanhada de liberdade psicológica para livre eleição de opções e objetivos na pauta da tradição católica.

Em segundo lugar, significa que a tradição deve ser tomada não como repetição do passado e sim em continuidade com os novos tempos. Sim, porque se todo homem é forçosamente herdeiro do passado, ele o recebe não para reproduzi-lo e sim para fazer outra coisa com ele. Como faz com sua língua natal, por exemplo. Ninguém é obrigado a falar e a escrever agora como no tempo de Camões.
Em terceiro lugar, a liberdade religiosa pressupõe a revisão de todas as disposições consagradas até agora como intocáveis, como, por exemplo, o celibato dos padres e a discriminação contra o sacerdócio feminino.
Nesta mesma linha de propostas, vem a sugestão recente de Bento XVI no sentido de que a autoridade religiosa deve dar mais atenção às "coisas contingentes", ideia que parecerá estranha aos que acusam o Papa emérito de ser um irredutível "conservador".
Sim, aggiornamento, mas com a devida precaução. Não confundi-lo com a troca do fervor místico pelas estratégias sociais a favor dos pobres e excluídos, medidas inadiáveis como o direito ao pão de cada dia, mas não esquecendo de que nem só de pão vive o homem.
Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista
Fonte: Migalhas - Google images - Youtube



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