quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

21 de Janeiro é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

“...Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar...” (Nelson Mandela)


O dia 21 de janeiro não é uma comemoração, mas um memorial, uma oportunidade de refletirmos e desenvolvermos ações para combater a intolerância em nossa sociedade.

No dia 21 de Janeiro do ano 2000, em Itapuã, na Bahia, em decorrência de forte perseguição de cunho religioso, faleceu a Sacerdotisa Gildásia dos Santos, popularmente conhecida como Mãe Gilda, que não resistindo aos ataques pessoais, invasões e depredações de seu terreiro, teve complicações cardíacas que resultaram em sua morte. Em decorrência dos desdobramentos desse fato, foi editada a Lei Federal nº. 11.635/07, tornando a data de 21 de Janeiro como Dia Nacional De Combate à Intolerância Religiosa.

Se o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa começou a fazer parte do calendário é porque temos a intolerância como uma característica sócio-cultural que deve ser combatida em todas as suas expressões. E quando analisamos a religião, chegamos ao ponto nevrálgico e central do que é uma sociedade. Esta não se entende sem a religião. Como dizia Durkheim, a religião é fato social. A religião (seja admitida ou proibida) concentra e expressa o ethos, o ser mesmo de um indivíduo ou grupo humano, com suas crenças, valores morais, utopias, desejos e modelos de vida que costumam ser tão religiosos quanto sociais e políticos. O Brasil é um país plural. A diversidade (da qual faz parte uma infinidade de expressões religiosas) é marca característica de sua constituição. No entanto, isso não garante que a tolerância e a boa convivência estejam presentes.

Ações de intolerância estão ligadas a concepções de vida, de poder e a crenças. Todas elas vêm da mesma estrutura de sociedade piramidal e patriarcal que se constitui como organizadora de relações violentas, ou seja, de relações hierarquizadas (e aqui há uma noção de ordem sagrada) onde uns são tidos como superiores e mais humanos que outros porque são homens, brancos, cristãos, patrões, heterossexuais... ou porque detêm o saber ou os bens econômicos de um povo. Para que essa estrutura social de poder e dominação de uns sobre os outros possa ser perpetuada, é necessário que se acredite que, naturalmente ou por instituição sagrada, uns são superiores aos outros. Daí é que nascem as diversas formas de preconceito e discriminação; nascem para desqualificar ou inferiorizar o outro. Inferiorizar o outro é uma forma eficaz de dominá-lo, legitimando, desta forma, que isso é aceitável porque ele não é um igual. Nossa história brasileira é um amargo testemunho dessa estrutura.

Da mesma maneira que a história da humanidade nos últimos milênios é uma história de dominação de uns sobre outros, a chamada Conquista das Américas não foi outra coisa senão um processo extremamente violento da colonização europeia e capitalista. E isso não foi feito sem a imposição de uma religião tida como universal e superior às outras. A imposição de uma  religião dominante, ou melhor, determinada interpretação desta que predominava na época, foi fundamental para tomar posse das terras e das riquezas do continente, assim como para legitimar a escravidão e o massacre de povos inteiros. Tudo em nome de Deus! Conquistar almas e dar ao rei novos súditos consistia em um mesmo processo. Para poder escravizar e despossuir africanos e povos indígenas, foi preciso demonizar o outro e, consequentemente, sua religião. Infelizmente, esse foi o nosso aprendizado histórico e cultural.

Assim, aos poucos, todos foram acreditando que a cultura do dominador europeu (com sua religião, seus costumes e valores, sua ciência, sua arte, sua música e seu modelo de sociedade...) era mesmo superior. A morte da mãe Gilda é um exemplo de que ainda hoje esse esquema funciona. No centro e norte do Brasil, latifundiários e gente do poder político tem levado para as cidades vizinhas de aldeias indígenas sua religião. Cresce a marginalização e pobreza. Associado a isso, a violência no campo tem obrigado a muitos indígenas a abandonar suas terras. Sem o espolio material e espiritual dos povos dominados, não teríamos visto tamanho sucesso do capitalismo.

A intolerância surge também do medo e da disputa pelo poder. O medo cresce com o individualismo e com a nossa incapacidade de viver a alteridade (ou seja, a capacidade de conviver com os diferentes em relações de diálogo e inter-dependência). Em uma cultura que vive sob o impacto da imagem (e esta com expressões cada vez mais violentas, tanto no conteúdo quanto na sua forma), a perda da capacidade de escuta e, portanto do diálogo, é cada vez maior. Com a perda do diálogo e das possibilidades de convivência que ele propicia, vem o desconhecimento e o medo do outro. Trata-se do medo de que o outro se mostre superior, de que ele domine.

Por outro lado, a diferença serve de espelho para que cada grupo se veja também como o veem de fora. E isso gera medo e insegurança. Ainda hoje, vemos profundas manifestações de preconceito e demonização da religião do outro e, portanto, de toda diferença. Se no campo político a democracia ainda é um ideal, no universo religioso a sua ideia ainda precisa ser incorporada.

Em uma sociedade de mercado como a nossa, a tendência de várias expressões religiosas é seguir pela hegemonia do grupo. Assim se entende a teologia da prosperidade (aquela que afirma que Deus dá segundo os méritos de cada um e que, portanto, ser rico e bem sucedido é um sinal de recompensa divina) e o discurso de demonização das outras religiões: atendem à mesma estratégia agressiva de marketing e de disputa pelo mercado, só que agora, no campo religioso. Por isso é que um pastor chuta a imagem da santa em pleno horário nobre na televisão ou ataca as religiões de matriz africana. Para afirmar-se como sagrado, é preciso atacar o concorrente, ainda mais quando a disputa envolve possibilidades de lucro financeiro. O conceito de sagrado aqui se alia à ideia de reinado absoluto ou de domínio do mercado. O aprendizado vem do empresariado, da estratégia de concorrência capitalista, e não da intuição básica e original da religião cristã.

Não se pode negar que a religião tem sido, em muitos casos, uma canalização ou um gatilho da violência vivida na sociedade brasileira. Esta mesma sociedade que acredita não ser violenta o é de forma histórica e estrutural. Em outras palavras, a violência que vivemos não é fruto da periferia das grandes cidades, nem é um surto social e tampouco é apenas aquilo que a TV mostra de forma espetacular.

O problema é que não somos conscientes de nossa violência estrutural em suas diversas formas e expressões, sobretudo no cotidiano. E a mídia tem colaborado muito para isso. Por isso muita gente ainda não vê violência no discurso intolerante.

Temos tristes exemplos da intolerância e suas consequências na inquisição e no holocausto dos judeus. Embora também outros motivos tivessem influenciado na perseguição nazista aos judeus, não se pode negar que a leitura equivocada dos textos bíblicos, desde os primeiros séculos da cristandade, teria levado ao ódio àqueles que teriam condenado Jesus à morte. Ora, tanto Jesus como quase todos os cristãos nas primeiras décadas do cristianismo eram judeus. Os estudos mais recentes atestam que os evangelhos não podem ser tomados como biográficos e que o Império Romano tinha autonomia e a principal responsabilidade na determinação da condenação dos judeus à cruz.

Que a proximidade do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa proporcione uma reflexão sobre o assunto que nos conduza a atitudes de respeito pelos diferentes, inclusive no campo religioso.

Fontes: Blog do Nassif
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