terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Liberdade religiosa e seus conflitos


    Thiago Oliveira Catana e Sergio Tibiriçá Amaral
Resumo
A Liberdade Religiosa é um direito que custou a ser conquistado através dos tempos. Ela teve seu surgimento, de modo contestado, na Inglaterra, e, de modo efetivo, na França. No Brasil surgiu em 1890. No ordenamento jurídico este direito é assegurado pela Constituição Federal e protegido pelo Código Penal. 

Contudo, há momentos em que a Liberdade Religiosa entrará em conflito com outros direitos. Um exemplo é o sacrifício de animais, onde ocorre conflito entre o direito dos animais com o direito a prática religiosa. Neste caso como não pode ser substituída esta prática sem a descaracterização que causaria uma lacuna nos ritos religiosos e ainda, sabendo que milhares de animais são mortos para consumo é que esta prática deve ser mantida. 
Diferentemente, do direito da prática religiosa e o direito de sossego onde, o direito de prática religiosa está violando o direito de sossego sendo que, neste caso as igrejas terão de se adaptar as condições impostas em lei para poderem se localizar em bairros residenciais. Toma-se como fundamento para a afirmação acima o fato que as igrejas produzindo menos “sons” não haveria descaracterização do culto religioso e sim uma adaptação que não causaria nenhuma perda nos ritos religiosos. Por tanto, a Liberdade Religiosa, como direito, prevalecerá sempre nos casos de conflitos de direitos, onde o direito conflitante exigir uma descaracterização dos ritos religiosos. E poderá ser contestada se o direito conflitante exigir apenas uma simples adaptação do exercício culto sem perda dos ritos religiosos.

Palavras-chave: Liberdade; Religião; Constituição Federal; Igrejas.

Introdução

A religião, como crença em algo superior, acompanha o homem desde o início de sua existência. Porém, para que ela fosse aceita, era preciso que o líder do grupo manifestasse a mesma crença, caso contrário, seus seguidores poderiam ser perseguidos e até mortos por isso. A liberdade religiosa, como é conhecida hoje, é algo bem recente, embora no passado haja exemplos isolados como a tolerância romana aos cristãos[3].
Mas a liberdade religiosa, apesar de não ter sido geral, tem seus frutos na Bill of Rights inglesa, pois neste documento publicado após a famosa Revolução Gloriosa, há a concessão da liberdade de religião para todos os protestantes exceto para os católicos, que ainda continuariam a serem perseguidos e discriminados nas terras inglesas. Cem anos depois o mundo conheceria o primeiro documento que concederia liberdade de religião a todos, a celebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em seu artigo 10°[4] assegurava o direito de ter qualquer opinião religiosa desde que não prejudicasse a ordem.

Já os Norte americanos, que tiveram sua nação formada por fugitivos e perseguidos religiosos da Coroa Inglesa, publicam em 1791, na Bill of Rights.Esta Declaração estabelece que:
Art. 1° - O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos.

Além disso, o artigo 12 do documento assinado pela Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, cita sobre a inviolabilidade do direito a liberdade de consciência e religiosa.

Art. 12 - Liberdade de Consciência e de Religião:

1° Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças. Ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.

2° Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crença.

3° A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.

4° Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.

Porém, no Brasil, a liberdade de culto só foi aceita e legalizada após Proclamação da República, através do Decreto 119-A, de 1890, de autoria de Ruy Barbosa. E se tornou norma constitucional com a Constituição de 1891, que transformava, inclusive, o Brasil em um Estado Laico, portanto, sem uma religião oficial definida por lei. Hoje a liberdade religiosa é algo amplamente difundido no ordenamento jurídico. Em nossa Constituição Federal podemos citar o artigo 5°:

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) 

VI- é inviolável a liberdade de consciência de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII- é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

(...)

Além disso, estes direitos gozam da proteção que lhes é atribuída pelo Código Penal no artigo:

Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de culto religioso.

E ainda de acordo com o doutrinador Mirabete, 1998, pg. 394 temos que:

“Embora sejam admissíveis os debates, criticas ou polêmicas a respeito das religiões em seus aspectos teológicos, científicos, jurídicos, sociais ou filosóficos, não se permitem os extremos das zombarias, ultrajes ou vilipêndios aos crentes ou coisas religiosas.”

Contudo, através do que pode ser observado acima, a Liberdade Religiosa é um direito que foi de difícil conquista e que deve ser feito observância a sua preservação em todo ato e processo jurídico.

Discussão Teórica do Tema

A Liberdade Religiosa é um direito absoluto que deve ser mantido a todo custo. Porém, às vezes este direito entra em atrito com outro direito. Um exemplo de conflito é para com o Meio Ambiente, onde em algumas religiões é adotada a prática da Imolação. A Imolação consiste em se matar um animal como forma de sacrifício a um ente superior. Algumas religiões como o Candomblé, Umbanda e até mesmo o Islamismo adotam essa prática em seus ritos religiosos.

Porém, uma questão a ser levantada é se o direito a liberdade de culto pode ser limitado pelo direito à proteção dos animais.

Se tomada a visão biocêntrica, será observada que os animais como seres integrantes da natureza, assim como o homem, teriam os seus direitos a vida que não poderiam, nem sobre o pretexto de proteção da religião ou cultura do homem, ser violados. Uma vez ainda que essa visão não distingue os direitos humanos e direitos animais, pois ela compreende que animais e seres humanos teriam os mesmos direitos.

No entanto, a visão antropocêntrica afirma que o homem, sob os pretextos citados acima, poderia praticar tal ato, devido ao fato de que assim ele preservaria sua religião e cultura. E, ainda, alegando que o sacrifício deve ser feito com o “consentimento da vítima”, portanto não se constituía um ato de crueldade. Sobre isso argumenta Fiorillo & Rodrigues, 1999, pg. 330:

“Se matar um animal é um ato cruel, o que dizer dos 200mil frangos abatidos por dia, no Brasil, sem que ninguém tome providencias a respeito?”

E sob essa visão concedemos ao homem uma visão de um ser diferenciado dentro da natureza. Que seria portador de direitos e deveres aos quais os animais, se querer, teriam acesso. E é sob essa visão que se encontra moldado o nosso ordenamento jurídico.

Outra questão a ser levantada é a questão da poluição sonora causada por algumas igrejas e o fato disso incomodar a vizinhança. Segundo o CONAMA[5] o limite de produção sonora é de 40 (quarenta) a 50 (cinqüenta) decibéis para as igrejas e templos. Então qual direito prevalece? Em uma analise mais detalhada do fato será observado o confronto de direitos, em uma esfera os crentes e praticantes do culto, que exercendo seu direito de liberdade religiosa e gozando da proteção ao seu local de culto assegurados pela Constituição alegam que tem o direito de poder exercer seu culto sem que alguém os interrompa, do outro lado da esfera à vizinhança que alega que algumas igrejas os impedem de exercer, de fato o seu direito de sossego que é determinado na Lei das Contravenções Penais:

Art.42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
(...)

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

(...)

Neste caso então, ambos os lados se baseiam em princípios legais quando afirmam possuírem direitos.

Considerações Finais

Conclui-se, com base nos dados acima, que a Liberdade Religiosa é um Direito que custou a ser conquistado, sendo que o mesmo só surgiu no mundo na transição histórica entre Era Moderna e Contemporânea e que no Brasil só foi conquistado com o advento da República. Isso torna típico o comportamento do legislador quando o mesmo criou, no sistema legislativo, normas que impunham esse direito e outras que penalizavam a infração contra esse direito.

Contudo, existem momentos em que há conflitos de direitos e neste caso é necessário um minucioso estudo para descobrir em qual lado a balança deve pender. Mas acima de tudo não se deve negar o direito a crença, e sim adapta-lo.

Um exemplo de conflito de interesses é o direito dos animais e a liberdade religiosa. Neste caso embora os animais tenham seus direitos, existem religiões onde o sacrifício é um sacramento essencial e não pode ser substituído ou mesmo extinguido pelo Estado. Alem disso, vários animais morrem para o consumo diário e esses animais sacrificados são mortos com a preocupação de que eles não sofram, como ocorre na maioria das religiões que adotam essa prática. Portanto, prevalece o direito de livre culto.

Outro exemplo, porém esse um pouco mais polêmico é o conflito existente entre o direito ao sossego e o direito ao culto. Neste caso, porém, as igrejas que se instalarem em bairros residenciais têm que estarem cientes de que terão que obedecer a certas normas e direitos alheios quando estes lhes forem reivindicados. Portanto, neste caso prevalece o direito de sossego dos vizinhos, uma vez que o direito ao culto estará mantido e o que haverá é uma adaptação deste direito com a redução do som produzido.

Então, se conclui que a Liberdade Religiosa é uma direto que não pode ser negado a ninguém. É que se em algum momento esse direito entrar em conflito com algum outro será necessário uma análise minuciosa para saber se o direito conflitante se for atendido, descaracterizará ou colocará em xeque o direito de livre culto. Pois se o direito conflitante, para ser atendido, necessitar apenas de uma simples adaptação para ser atendido, como no caso da poluição sonora, este direito poderá ser reivindicado.


Bibliografia

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. vol.1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.

FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ªed., São Paulo: Saraiva,1998.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.

PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religiões no Brasil. 1ª ed., São Paulo: Hucitec, 1996.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

SORIANO, Aldir Guedes. A Liberdade Religiosa no Âmbito do Direito Constitucional Brasileiro. In: Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, Ribeirão Preto/sp, vol. 19, jul./2001. 

SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. 1ª ed., São Paulo: 2002.

[1] Discente do curso de Direito pelas Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. E-mail: thiagocatana@bol.com.br.
[2] Graduado em Direito pela TOLEDO de Bauru. Especialista em Interesses Difusos e Coletivos. Mestre em Direito das Relações Públicas pela Universidade de Marília e em Sistema Constitucional de Garantias (ITE-Bauru). E-mail:sergio@unitoledo.br
[3] Edito de Milão, 313 publicado pelo imperador Constantino
[4] Art. 10°:Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que as manifeste por modo a não perturbar a ordem pública estabelecida pela lei
[5] Conselho Nacional do Meio Ambiente

Sobre os autores

CATANA, Thiago Oliveira[1]
AMARAL, Sergio Tibiriçá[2]

Fontes: Pesquise Direito
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Um comentário:

Unknown disse...

Belo trabalho acadêmico. Ótima leitura. Apenas com intuito contributivo com a defesa da Liberdade Religiosa, nos casos expostos acima no texto, importante salientar que nos conflitos apresentados constitucionalmente pesa a balança para o liberdade de prática de culto, tendo em vista ser mandamentalmente estabelecida por uma lei maior, a Constituição Federal.

Frente a isso, não vejo maiores dificuldades em proteger a liberdade religiosa e de culto nos exemplos citados. Diferente de quando há um conflito aparente de normas e princípios constitucionais, por exemplo, o conflito entre o princípio da igualdade versus da liberdade religiosa, o qual em outro momento poderemos abordar melhor.